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terça-feira, 19 de julho de 2011

A luta dos que não tem uma casa para morar

Rodrigo Dantas*

Desde a última sexta-feira, 18/07/2011, cerca de quatrocentas famílias de trabalhadores sem teto, e sem direitos, organizados pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores sem Teto, movimento nacional filiado à Central Sindical e Popular – CSP Conlutas), ocupam pacificamente um terreno baldio à beira da Estrutural (BR-070), em trecho situado imediatamente após a expansão do setor O, na Ceilândia. As centenas de trabalhadores, mulheres, crianças, idosos, jovens e desempregados que hoje ocupam este terreno, que segundo o GDF pertenceria ao DNIT, antro histórico de corrupção no governo federal, lutam com todas as suas forças para ter reconhecido o direito de morar em sua própria casa.

O direito ao lar é um direito humano elementar, assegurado pelas determinações infra-constitucionais do Estado brasileiro, e um dos direitos humanos universais reconhecidos pela ONU. Para assegurar este direito a todos os brasileiros, nossa Constituição condiciona o direito à propriedade da terra ao exercício de sua função social – embora as relações sociais de produção, propriedade e poder que estruturam concretamente a sociedade capitalista façam letra morta deste dispositivo constitucional, que só entra em vigor quando o movimento social ocupa terras improdutivas e ociosas, e os governos, em resposta, desapropriam o terreno, geralmente pagando rios de dinheiro a seus pretensos proprietários. 

Para (sobre)viver na capital do Brasil, os trabalhadores sem teto, via de regra, têm de pagar trezentos reais de aluguel pelos barracos que habitam. Mas a maioria deles, quando estão empregados, recebe salários de quinhentos reais. É humanamente impossível viver nestas condições. Na verdade, os sem teto lutam por casa, mas precisam também comer. Precisam também se vestir. Precisam de saúde, educação, transporte público, serviços públicos, salário, emprego e a aposentadoria. Na verdade, precisam de tudo quanto se possa humanamente supor. E porque não tem direito a nenhum dos direitos humanos, os sem teto resolveram se organizar para lutar por seus direitos, a começar pelo mais elementar de todos eles: o direito à moradia. Porque carecem de todos os direitos humanos que possam ser cogitados, nada lhes restou senão associar-se para lutar, "bem unidos", pelas condições humanamente elementares de sua existência.

Vivemos numa cidade e num país em que a grilagem e a especulação imobiliária têm impedido, historicamente, o acesso da população de baixa renda à casa própria. Programas sociais, como o Minha Casa, Minha Vida, historicamente têm servido mais para alimentar os lucros das empreiteiras, nutrir suas relações de corrupção com governos cujas eleições são por elas pesadamente financiadas e encarecer ainda mais o preço da moradia popular, do que para propiciar moradia digna às mais de dez milhões de famílias que dela ainda carecem em nosso país.  

No Distrito Federal, a terra foi desde sempre objeto de grilagem predatória e intensa especulação imobiliária, protegida e promovida pelos sucessivos governos que aqui se instalaram desde os tempos da ditadura militar. O resultado é que, embora o DF tenha o maior estoque de terras ociosas localizadas em território urbano em todo o país, e de longe o maior orçamento per capita entre todas as unidades da federação, temos em nossa cidade o metro mais quadrado mais caro do Brasil, milhares de quilometros quadrados de terras ociosas à mercê da especulação, mais de 120 mil famílias sem acesso a casa própria, mais de 360 mil pessoas cadastradas esperando há muitos anos por seu lote e um punhado de grileiros e empresários da construção civil nadando em dinheiro e mamando como ninguém nas tetas dos cofres públicos e dos contratos super-faturados. Como se não bastasse, centenas de milhares de famílias que no passado tiveram de comprar seus lotes de grileiros para construir suas residências, ao invés de terem reconhecido pelo Estado seu direito a escritura definitiva de suas casas, estão sendo hoje intimadas pelo governo a pagar mais uma vez por seus lotes para terem direito a regularização definitiva da propriedade de suas casas.

Há na capital de nosso país um estoque mais do que suficiente de terras ociosas para que todos os moradores do DF tenham acesso a seu lote. Há na capital de nosso país recursos orçamentários suficientes para, em apenas quatro anos, construir moradias populares de qualidade, ao preço de 50 mil reais cada uma, para 150 mil famílias, utilizando para isso menos de 5% do orçamento anual do GDF. Mas um projeto como este não poderá se tornar realidade enquanto os parlamentares e o governo do DF tiverem sua eleição financiada por grileiros e grandes empresários para governar a serviço de seus interesses. Garantir a todos o acesso a casa própria não será possível enquanto velhos políticos profissionais e um punhado de “cooperativas” sob a proteção do governo continuarem a utilizar a necessidade das pessoas para construirem (ou reconstruirem) imensos esquemas de clientela, formarem grandes currais eleitorais em torno da distribuição de lotes e casas e enriquecerem às custas do dinheiro público e dos contratos super-faturados.

Os sem teto conhecem muito bem esta realidade; por isso, sabem que, sem lutarem, jamais terão direito a todos os direitos que hoje lhes são negados nesta cidade e neste país. Quem poderia, em sã consciência, negar-se a reconhecer a justiça de sua luta?
*Rodrigo Dantas é professor de Filosofia da UnB e militante do PSTU

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